domingo, 21 de abril de 2024

Elon Musk aparece no primeiro capítulo do romance-reportagem O CLUBE DOS ONIPOTENTES, do amapaense Ray Cunha

Ao investigar tráfico de crianças para escravidão sexual
em Brasília repórter se depara com indícios de um complô
para derrubar o presidente da República. Romance-reportagem
mistura personagens de ficção e reais, vivas e mortas

Leia o primeiro capítulo de O CLUBE DOS ONIPOTENTES, que você pode adquirir no Clube de Autores, na amazon.com.br e na amazon.com.

NAQUELE início de noite, quente e seco, um sabiá cantava com vigor em algum galho do majestoso ipê-amarelo, que tinha cerca de 30 metros de altura e 60 centímetros de diâmetro, e dourava, naquele primeiro dia da primavera, a frente do casarão. A casa lembrava um navio todo iluminado, ancorado nas imediações do Parque Ecológico Península Sul, na QL 12 do Lago, quadra mais conhecida como Península dos Ministros. A luz que saía da mansão vazava entre as árvores, palmeiras imperiais, uma grande mangueira, abacateiro, jambeiro, goiabeira, cajueiro, primaveras, jasmineiros, roseiras e o pau d’arco. A dona da casa, a magnata das telecomunicações Ana Castelo Branco Sá Dourado, ia receber dois convidados para um jantar restrito.

Ana Sá, viúva do bilionário José Clodovil Rosa Dourado, estava à frente de um império empresarial composto de uma construtora, incorporadora e imobiliária, mais de mil imóveis em Brasília, incluindo edifícios inteiros; uma pequena empresa aérea, Céu de Brigadeiro; hotéis em várias cidades do país; uma fazenda em Minas Gerais, uma em Goiás e uma no Marajó/PA, esta, herdada da sua mãe, Maria Castelo Branco, e onde criava búfalos e produzia queijo de leite de búfala, além de plantar e exportar açaí; o jornal diário Correio do Brasil e a revista semanal Excelência, ambos com circulação nacional; a TV Brasil, aberta, e um canal a cabo, TV Brasil Notícias; e as rádios Brasil, uma de ondas curtas, outra de ondas médias e seis FMs.

O dr. Clodovil a chamava de “o segundo piloti do grupo”, e seu filho, Alex, a chamava de “meu piloti”. Nasceu em 20 de julho de 1969 no Edifício Chopin, em Copacabana, marcada pela chegada do homem à Lua, o que despertou seu interesse por voos espaciais e a influenciou a fazer o bacharelado em física, com especialização em astrofísica, assim como Alfredo, diretor corporativo do Grupo Sá Dourado. Era obsedada pela ideia de entrar na indústria aeroespacial e colocar em órbita seus próprios satélites de comunicação. Passou a infância no apartamento do Edifício Chopin, ao lado do Belmond Copacabana Palace, “o mais tradicional hotel do Rio de Janeiro, inaugurado em 1923, com projeto arquitetônico de Joseph Gire, que se inspirou no Hotel Negresco, de Nice, e no Hotel Carlton, de Cannes, na França”. A Avenida Atlântica, a Princesinha do Mar, como Copacabana é conhecida, e Angra dos Reis, onde passou parte da infância, eram os locais mais vivos na sua memória. Se Brasília, para ela, representava o lugar onde nasceram seu filho e seu império, razão pela qual sentia gratidão sagrada pela cidade, o Rio de Janeiro e Angra dos Reis imperavam na sua memória, vivificando-a, não como nostalgia, mas como raízes. Às vezes, sentia-se junto aos portugueses que desbravaram o Rio e Angra, afinal, a história do Rio de Janeiro estava ligada à origem da sua família no Brasil. E já até tivera muitos sonhos com isso, no mínimo estranhos, pois pareciam tangíveis demais. Porém, isso não era privilégio seu, pois Alex herdara esse mesmo tipo de mediunidade. O fato é que sonhara várias vezes na companhia dos seus antepassados, inclusive em plena guerra.

Assim que o dr. Clodovil morreu, Ana Sá assumiu a presidência do império e o diretor de tecnologia, Alfredo, um velho amigo do dr. Clodovil e uma espécie de historiador do Grupo Sá Dourado, graduado em física e mestre em astrofísica, acumulou a diretoria corporativa. Alfredo era carioca, um negro grande, de mais ou menos 1,90, viúvo; tinha uma filha, casada, que já lhe dera um netinho e morava na cidade do Rio de Janeiro. O dr. Clodovil e Alfredo se conheceram ainda na juventude, no Rio, e foram juntos para Brasília. Eram como irmãos. O dr. Clodovil sempre procurou proteger seu irmão adotivo, porque, para muita gente, a pele negra é uma doença contagiosa. Alfredo funcionava como o CEO do Grupo Sá Dourado, o que deixava Ana Sá despreocupada, ocupando-se basicamente com a filosofia e estratégia do conglomerado das empresas da família. Tinha duas obsessões. Uma delas era a reabertura de cassinos; a outra, foguetes. Morava parte do tempo em Brasília por uma questão prática, mas seu coração estava no Rio de Janeiro, que surgiu da família Sá, de origem judaico-sefardita, convertida pela Inquisição (e quem ela não convertia?) ao catolicismo durante a Idade Média, entre 1492 e 1496, trocando seus sobrenomes judaicos, aramaicos e árabes para o castelhano e o português. A maioria dos judeus optou por adotar a transliteração de seus sobrenomes, mantendo o radical da palavra. Também alguns ramos dos ancestrais da família Sá fugiram da Espanha e se estabeleceram no Marrocos, norte da África. Outros foram para o Oriente Médio, ou se estabeleceram na Itália – Roma, Veneza e Livorno. Sá significa grande sala ou hall, a entrada principal de uma casa. Não por acaso, Ana Sá considerava o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, o hall do Brasil.

Em 1 de janeiro de 1502, o explorador português Gaspar de Lemos descobriu a Baía da Guanabara, palavra de origem tupi-guarani, guaná-pará, que significa “seio do mar”, devido ao formato da baía, rica em peixes, o leite do mar. A região era ocupada por povos de língua tupi procedentes da Amazônia, um dos quais os tamoios, conhecidos também como tupinambás. Meio século depois, em 1 de novembro de 1555, franceses, comandados por Nicolas Durand de Villegagnon, se instalaram na ilha de Sergipe, atual ilha de Villegagnon, na Baía da Guanabara, e se aliaram aos tupinambás, estabelecendo ali uma colônia.

Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil, de 1558 a 1572, nasceu em Coimbra, Portugal, em 1500, e faleceu em Salvador, Bahia, Brasil, em 2 de março de 1572. Chegou a Salvador em 28 de dezembro de 1557 e tomou posse do governo em 1558. Em luta contra os brasileiros que queriam a independência perdeu o filho, Fernão de Sá, na Batalha do Cricaré, na Capitania do Espírito Santo. Em 1560, os portugueses se aliaram a um grupo indígena rival dos tupinambás, os temiminós, com os quais atacaram e destruíram a colônia francesa. Em 1 de março de 1565, tropas portuguesas enviadas por Mem de Sá, sob o comando do seu sobrinho, Estácio de Sá, instalaram-se entre o Morro Cara de Cão e o Morro do Pão de Açúcar, embrião da Fortaleza de São João, sítio a que chamaram cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

São Sebastião, francês nascido em 256, de Narbonne, no sul da França, e cidadão de Milão, morreu em 286, perseguido pelo imperador romano Diocleciano. Sebastião, que deriva do grego sebastós, divino, venerável, era um soldado que se alistou no exército romano por volta de 283. Querido dos imperadores Diocleciano e Maximiano, que ignoravam tratar-se de um cristão, designaram-no capitão da sua guarda pessoal, a Guarda Pretoriana. Em 286, devido à conduta branda de Sebastião para com os prisioneiros cristãos, Diocleciano julgou-o traidor, ordenando sua execução por meio de flechas. Dado como morto e atirado em um rio, Sebastião foi resgatado e socorrido por Irene, Santa Irene, e se apresentou novamente diante de Diocleciano, que ordenou sua morte por espancamento e seu corpo atirado no esgoto público de Roma. Luciana, Santa Luciana, resgatou o corpo, limpou-o, e sepultou-o nas catacumbas romanas.

Pois bem, Sebastião era também o rei-menino de Portugal e Algarves. Em 1567, tinha 9 anos, e sua avó, a rainha viúva Catarina da Áustria, foi a responsável pelo início da construção da cidade do Rio de Janeiro. Estácio de Sá, assim como São Sebastião, foi alvejado por flechas, no caso de Estácio de Sá, uma flexa envenenada que lhe vazou um olho, disparada pelos índios tamoios, aliados dos franceses, no dia 20 de janeiro, e morreu em 20 de fevereiro. Diz a lenda que o próprio São Sebastião lutou, de espada na mão, ao lado dos portugueses, contra os franceses, na batalha de Aruçumirim, em 20 de janeiro de 1567, no mesmo dia em que Estácio de Sá foi flechado. A batalha aconteceu onde hoje é a Glória. Há registro de que 600 tamoios e 5 franceses morreram na batalha e 10 franceses foram enforcados no dia seguinte, 21 de janeiro. Os restos mortais de Estácio de Sá repousam na igreja de São Sebastião, na rua Haddock Lobo, bairro da Tijuca, sob a guarda dos Barbadinhos, a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, ramo da primeira ordem de São Francisco de Assis.

Na luta pela hegemonia portuguesa, Estácio de Sá contou com as tropas da capitania de São Vicente e com os Temiminós, da capitania do Espírito Santo, comandados por Araribóia, que foi recompensado com sesmaria, onde fundou a vila de São Lourenço dos Índios, que deu origem a Niterói.

Com a derrota dos franceses e tamoios no morro da Glória e na ilha do Governador, os portugueses, sob o comando de Mem de Sá, mudaram a povoação para um morro próximo à ilha de Villegagnon, o Morro do Descanso, ou Alto da Sé, ou Alto de São Sebastião, e, finalmente, Morro do Castelo, local privilegiado para vigiar a entrada da Baía da Guanabara, e lá construíram a cidade, murada e com a Fortaleza São Januário. O local contava com a Casa do Governador, a Câmara, a Cadeia, os Armazéns, o Colégio e as Igreja dos Jesuítas e Igreja de São Sebastião. Passado um certo tempo, a população da cidade começou a ocupar a área entre outros três morros:  São Bento, Santo Antônio e Morro da Conceição. O acesso ao Morro do Castelo era feito pela Ladeira da Misericórdia, primeira via pública da cidade, e depois também pelas Ladeira do Castelo, Ladeira do Poço do Porteiro e Ladeira do Seminário. Fora do Morro do Castelo foram erguidos o Colégio dos Padres Jesuítas da Companhia de Jesus, instalações que depois deram lugar ao Hospital Militar da Corte, e o Observatório Nacional, pois não demorou para que o Morro do Castelo ficasse pequeno demais para a expansão da cidade.

O sucessor de Mem de Sá, D. Luís de Vasconcelos, enviado para o Rio em 1570, foi morto por piratas franceses. Assim, o governo ficou sob a responsabilidade de outro sobrinho de Mem de Sá, Salvador Correia de Sá. Em 1763, o ministro português Marquês de Pombal transferiu a sede da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, e, em 1808, fugida de Napoleão Bonaparte, a corte portuguesa segue para o Rio, que se torna, então, capital do Império Português, a única cidade no mundo a sediar um império europeu fora da Europa. Do dia para a noite o Rio inchou. O estabelecimento da família real portuguesa na cidade atraiu, só naquele ano de 1808, 15 mil nobres e gente da alta sociedade portuguesa. Nesse meio tempo descobriu-se ouro, em abundância, em Minas Gerais, e o porto mais próximo para o transporte desse ouro para Portugal era o Rio de Janeiro. Construiu-se, então, uma estrada ligando as minas ao Rio.

Em 1922, o prefeito Carlos Sampaio, pensando em urbanizar a cidade para a Exposição Internacional do Centenário da Independência, arrasou o Morro do Castelo, utilizando suas terras para aterrar parte da Urca, da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Jardim Botânico e onde é hoje o Aeroporto Santos Dumont. O Castelo é o coração do Rio de Janeiro, juntamente com a Avenida Rio Branco e a Cinelândia. Acredita-se que no local do Morro do Castelo durma um fabuloso tesouro em uma galeria secreta, escondido pelos Jesuítas. Seriam 67 toneladas de ouro, além de uma imagem em tamanho natural de Santo Inácio de Loyola, toda de ouro, com olhos de brilhantes e dentes de pérolas. Não se sabe se o tesouro é verdadeiro, mas as galerias já foram identificadas. Quem quiser levar a fundo essa informação deve pesquisar no Arquivo Público e nos arquivos do setor de engenharia da prefeitura da cidade. Em 1960, o presidente Juscelino Kubitscheck transfere a capital para Brasília e o Rio é transformado em cidade-estado, com o nome de Guanabara, até 15 de março de 1975, quando ocorreu a fusão com o estado do Rio de Janeiro.

Ana Sá achava sua cidade natal a mais bonita do mundo. Vitrine cultural e maior destino turístico internacional do Brasil, da América Latina e de todo o Hemisfério Sul, o Rio é a segunda maior metrópole do país, atrás somente de São Paulo. É a cidade brasileira mais conhecida no exterior, a Cidade Maravilhosa, um espetáculo, histórico, cultural e geográfico, permanente. O litoral da cidade do Rio de Janeiro tem 197 quilômetros de extensão e mais de 100 ilhas. A cidade começou com os portugueses expulsando os franceses, mas foi graças a um francês, Napoleão Bonaparte, que o Rio de Janeiro, e o Brasil, se desenvolveram. Bonaparte invadiu Portugal, em 1808, mas antes que isso acontecesse a corte portuguesa se mandou para o Rio de Janeiro. Aí a história da cidade mudou de rumo, graças à aristocracia portuguesa, que não precisou mais gastar seu ouro e pedras preciosas, extraídos do sertão brasileiro, somente em Portugal, pois passou a investir no Rio de Janeiro e no resto do país.

Mais ao sul do estado do Rio de Janeiro, a região de Angra dos Reis era habitada pelos tamoios/tupinambás quando a expedição portuguesa comandada por Gonçalo Coelho chegou à região, em 6 de janeiro de 1502. Como era o dia da visita dos Três Reis Magos ao menino Jesus batizaram-na de Angra dos Reis. A primeira expedição de colonização, a mando da Coroa de Portugal, iniciou a povoação no continente, em 1530, mas só a partir de 1556 é que os colonizadores, vindos dos Açores, se estabeleceram na enseada, onde, em 1593, fundaram uma povoação com o nome de Ilha Grande, elevada, em 1608, à categoria de vila, com a denominação de Vila dos Reis Magos da Ilha Grande, depois Vila de Angra dos Reis e, finalmente, Angra dos Reis. Entre o fim do século XVIII e início do século XIX, Angra se transformou em importante porto, na foz do rio Mambucaba, exportador de café e importador de escravos para o Vale do Paraíba. Os portugueses começaram cultivando cana-de-açúcar na região, que, aos poucos, começou a servir como ponto de ligação entre as cidades do Rio de Janeiro e Santos/SP, e depois como porto de exportação e importação ligado a São Paulo e Minas Gerais. Angra contava, ainda, com a indústria da pesca e beneficiamento de baleia.

Contudo, toda essa prosperidade era baseada na escravidão de africanos e a Inglaterra, já então uma potência industrializada, forçou o Império Português a abandonar o tráfico de escravos. De 1839 a 1842, a marinha britânica apreendeu inúmeros navios negreiros, deixando furiosos os grandes proprietários de escravos e de terras, especialmente os cafeicultores, além dos traficantes. Com relação aos traficantes, era como se hoje os britânicos arrasassem os traficantes brasileiros de drogas. Segundo o historiador Caio Prado Júnior, só em 1848, alcançara-se um total de 22.849 africanos desembarcados no país. Em setembro de 1850, foi promulgada a Lei Eusébio de Queirós, proibindo a entrada de africanos escravizados no Brasil. Em 1871, a Lei do Ventre Livre libertou todas as crianças nascidas de mães escravas a partir de então. Em 1872, havia cerca de 1.600.000 escravos registrados no Brasil. Em 1885, a Lei dos Sexagenários tornou livres todos os escravos a partir dos 60 anos de idade. E em 13 de maio de 1888, foi sancionada a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil, assinada pela princesa Isabel de Bragança, regente do Império Português, pois seu pai, o imperador Pedro II, se encontrava em viagem ao exterior. Mas, em vez de pagar os negros, latifundiários optaram por pagar imigrantes europeus para a mão de obra. Os negros foram entregues à própria sorte, à sanha racista dos brancos.

O povoado de Angra dos Reis foi elevado ao status de freguesia em 1808, e, em 1835, de cidade. Mas, em 1872, após a ligação ferroviária entre São Paulo e Rio de Janeiro, o porto entrou em decadência, agravada, em 1888, com a libertação dos escravos, o que levou à decadência das fazendas de café da região. Em 1938, foi construída uma estrada de ferro para Minas Gerais e o porto foi reativado. A instalação do Estaleiro da Verolme, nos anos 1960, estimulou a economia local, e, nos anos 1980, foram instalados no município a Usina Nuclear de Furnas, Angra I, e o Terminal da Petrobrás, e, já no século XXI, Angra II, a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, no distrito de Mambucaba. Em 1969, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou o conjunto arquitetônico e paisagístico da vila de Mambucaba, que significa passagem ou abertura, pois subindo o rio Mambucaba se alcançava a trilha usada pelos índios para ultrapassar a Serra do Mar. Hoje, além da pesca, atividades portuárias e a indústria naval, por meio do estaleiro Keppel Fels, antigo Verolme, a grande atividade econômica de Angra é o turismo, principalmente na Ilha Grande. Com área de 816,3 quilômetros quadrados, continental e insular, com 365 ilhas, uma para cada dia do ano, a maior delas a Ilha Grande, Angra conta com oito baías e duas mil praias em mar azul turquesa e águas tépidas, areia branca e fina, e sol praticamente o ano todo, temperatura tropical e sem cataclismos. A comida é saborosa, brasileira, e a cultura é rica, um cadinho étnico com três elementos: o europeu, o indígena e o africano. Por estrada, fica a 152 quilômetros, duas horas do Rio de Janeiro.

Entre as lembranças da juventude, uma das que mais estavam conservadas no consciente de Ana Sá era o rio Carioca, um riacho que nasce na Floresta da Tijuca, passa pelos bairros de Cosme Velho, Laranjeiras, Catete e deságua na Baía de Guanabara, na Praia do Flamengo, junto à estação de tratamento de efluentes. Atualmente, a maior parte de seu curso é subterrânea. O nobre espanhol Dom Juan Francisco de Aguirre, que esteve no Rio em março de 1782, registrou que os naturais da cidade passaram a ser apelidados de “cariocas” devido ao seu deslumbramento com o Aqueduto da Carioca: “Foi esse deslumbre pelo seu aqueduto que fez com que os naturais desta cidade ficassem conhecidos como cariocas, nome da fonte de onde vem a água que abastece a região. Logo que estabelecem contato com um europeu, os cariocas apressam-se em dizer-lhe que essa água tem o poder de enfeitiçá-lo e de fazê-lo fixar residência na cidade”.

Em 1783, decreto do vice-rei do Brasil, D. Luiz de Vasconcelos, criou novo gentílico, “mais civilizado”, para os nascidos no Rio de Janeiro: “fluminense”, do latim “flumen”, que significa “rio”. Em 1834, Ato Adicional à Constituição de 1824 separava o município do Rio de Janeiro da Província do Rio de Janeiro, constituindo um Município Neutro, com administração vinculada diretamente à corte imperial brasileira. Como carioca é um termo indígena, os membros da Corte torceram o nariz e optaram por se intitularem fluminenses, mas o povo continuava usando o gentílico carioca.

Após a Proclamação da República do Brasil, em 1889, o Município Neutro foi transformado em Distrito Federal e a província do Rio de Janeiro no estado do Rio de Janeiro. Em 1960, com a mudança da capital do país para Brasília, o antigo Distrito Federal se tornou estado da Guanabara, que adotou então oficialmente a designação carioca pela primeira vez para seus filhos. Com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, a opção do gentílico oficial do novo estado foi fluminense, reduzindo-se carioca a gentílico municipal. Mas os fluminenses preferem a designação carioca, especialmente na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Costa Verde e Região dos Lagos, e, desde 2000, o movimento Somos Todos Cariocas busca o reconhecimento de carioca como gentílico oficial do estado do Rio de Janeiro, 43.780,172 quilômetros quadrados e litoral de 636 quilômetros de extensão, a paisagem mais exuberante da Terra.

Assim, era natural que houvesse cassinos no Rio. Ana entendia que a clandestinidade do jogo se constituía em uma estupidez tão grande quanto o moralismo pelo moralismo. O controle do jogo pelo estado, e não pelo crime organizado, gera impostos, ao mesmo tempo em que o estado fiscaliza toda a indústria do jogo, uma das mais rentáveis que existe em todo o mundo. Sir Leonard Woolley descobriu, em 1920, dados em forma de pirâmide em túmulos reais da civilização sumeriana de Ur. Descobriu-se também na tumba do faraó Tutankamon dados em formatos de hastes com as faces numeradas de 1 a 4. Sumérios e assírios usavam dados de seis faces, feitos de osso, moldados de modo que pudessem cair em quatro posições diferentes. No Império Romano, jogavam o “hazard”, do árabe “al-azar”, que significa “dado”, e em inglês e francês, “risco” ou “perigo”, introduzido na Europa com a Terceira Cruzada. Jogos de carta apareceram por volta do século IX, na China, e no século XIV na Europa. Quanto à loteria, os primeiros registros são os cartões Keno dos chineses da Dinastia Han, entre 205 e 187 aC. Já as primeiras loterias europeias também começaram no Império Romano. O pôquer e a roleta apareceram no século XIX.

O jogo é legal em quase todos os países civilizados do mundo, como Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Holanda, Inglaterra, Itália, Mônaco, Portugal, Suíça, Uruguai e até na China, uma ditadura totalitária – a Região Administrativa Especial de Macau, que antes de passar para mãos chinesas pertencia a Portugal, é o Eldorado dos jogadores, a Meca do jogo, desbancando Las Vegas como “capital mundial dos cassinos”. Os mais de 100 cassinos de Las Vegas faturam 8 bilhões de dólares por ano e só uma de suas maiores redes conta com 50 mil empregados.

No Brasil, os cassinos surgiram com a independência de Portugal, proclamada em 1822, e durou até 1917, quando foram proibidos pelo presidente Venceslau Brás. Voltaram a ser legalizados em 1934, por Getúlio Vargas, e novamente proibidos, em 30 de abril de 1946, pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Havia então no Brasil uma indústria de 70 cassinos e mais de 40 mil trabalhadores regularmente empregados, e que foram para o olho da rua. Em 1993, foram liberadas casas de bingo e máquinas caça-níqueis, que voltaram a ser proibidas em 2004. O jornalista e presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL), Magno José Santos de Sousa, afirma que o Brasil tem uma das legislações mais atrasadas do mundo relativa ao jogo de azar, e filosofa: a clandestinidade não anula a prática. O Brasil é um dos países em que mais se joga no mundo, movimentando, na virada do século, cerca de 5 bilhões de dólares por ano, clandestinamente. Só o jogo do bicho movimenta 10 bilhões de reais por ano, sem pagar nenhum centavo de imposto e sem gerar empregos formais. Mas estudo do Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL)/BNLData indica que o mercado de jogos no Brasil tem potencial de arrecadar 15 bilhões de dólares por ano, deixando para o erário 4,2 bilhões de dólares, além de 1,7 bilhão de dólares em outorgas, licenças e autorizações, isso, sem somar investimentos e geração de empregos na implementação das casas de apostas. Além disso, seriam gerados mais de 658 mil empregos diretos e mais de 619 mil empregos indiretos.

“A prática dos jogos de azar é socialmente aceita e está arraigada nos costumes da sociedade. O jogo do bicho existe há mais de um século (desde 1892), tendo se tornado contravenção em 1941. Ele faz parte da cultura, já se tornou um folclore na nossa sociedade. A lei penal não tem o poder de revogar a lei econômica da oferta e da procura. Se a demanda não for suprida pelo mercado lícito, será suprida pelo mercado ilícito” – disse o sociólogo francês Loïc Wacquant.

Ana Sá pretendia criar um cassino no seu Hotel Atlântico, em Copacabana, no Posto 6, onde já funcionava uma casa de shows, cinema de arte, teatro e galeria de arte, tudo com agenda para o ano todo, e outro cassino em outro hotel da rede em Angra dos Reis.

Além do turismo, seu outro grande interesse empresarial eram as telecomunicações. Descendia também, pela parte da mãe, da nobreza portuguesa, a família Castelo Branco, do Pará, segundo estudos que fizera da sua genealogia. Sua linhagem paraense vinha de Francisco Caldeira Castelo Branco (1566-1619), capitão-mor português, fundador, em 12 de janeiro de 1616, da cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, a “capital da Amazônia”. Francisco Caldeira nasceu no Crato, distrito de Portalegre, Portugal, e se chamava Francisco Caldeira de Castelo Branco. Teria nascido na localidade de Castelo Branco, em Portugal, ou, segundo o Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa.  O fato é que, de 1612 a 1614, foi capitão-mor da Capitania do Rio Grande, que abrangia terras do atual estado do Rio Grande do Norte, além de trechos dos atuais estados do Ceará e da Paraíba. Em 1615, comandou uma expedição militar para expulsar franceses, holandeses e ingleses estabelecidos no Grão-Pará. Em 12 de janeiro daquele ano, desembarcou na enseada da Baía do Guajará, conhecida como Paraná-Guaçu pelos Tupinambás, e, numa pequena elevação, ergueu um forte de madeira, coberto de palha, que denominara Presepe (Presépio), mais tarde chamado Forte do Castelo. O entorno do forte ficou conhecido como Feliz Lusitânia. Em Portugal, deixou como herdeira Francisca de Castelo Branco, que, em 11 de fevereiro de 1623, reivindicou terras no Pará.

Naquela noite, Ana Sá recebeu o encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, William Popp, e o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (FAB), Marcos Pontes, engenheiro e o primeiro astronauta brasileiro, sul-americano e lusófono; foi ao espaço na Missão Centenário, em referência aos cem anos do voo de Santos Dumont no avião 14 Bis, em Paris, no dia 23 de outubro de 1906. A missão foi fruto de um acordo entre a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Agência Espacial da Federação Russa (Roscosmos), justamente com o objetivo de enviar o primeiro brasileiro ao espaço, a bordo da nave Soyuz TMA-8, da Roscosmos, lançada em 30 de março de 2006 no Centro de Lançamento de Baikonur, no Cazaquistão, com destino à Estação Espacial Internacional (ISS), levando oito experimentos científicos brasileiros para execução em ambiente de microgravidade. Retornou em 8 de abril, a bordo da Soyuz TMA-7. De 2011 a 2018, trabalhou como embaixador da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial.

Ana Sá estava sondando a instalação de uma base de lançamento de foguete no cabo Maguari, município de Soure, ilha de Marajó, Pará, onde possuía um mundo de terras e de búfalos. O cabo Maguari é talvez o melhor ponto do planeta para o lançamento de foguetes. Situado praticamente na Linha Imaginária do Equador, afastado de aglomerações humanas e defronte para o oceano Atlântico, área de escape por excelência em caso de acidente, localiza-se no maior arquipélago marítimo-fluvial do mundo, o Marajó, formado por cerca de 2.500 ilhas, mas que, na verdade, ninguém sabe quantas são, pois algumas surgem de repente, ou somem; a maior delas, homônima, mede 42 mil quilômetros quadrados, quase do tamanho da Suíça, constituindo-se na maior ilha na costa do Brasil e a maior ilha marítimo-fluvial do planeta. O arquipélago é banhado ao norte e a oeste pelo delta do rio Amazonas, o maior do mundo; ao sul, pelo rio Pará, que é um canal formado pelas águas de inúmeros rios, principalmente o Amazonas e o Tocantins, e que desemboca, a sudeste, na baía de Marajó; e, a leste, pelo Oceano Atlântico. A cidade de Soure fica a 80 quilômetros de Belém, a capital do Pará, o estado mais emblemático da Amazônia, pois encerra nele amostras de todo o Trópico Úmido.

Ana pretendia fabricar foguetes, satélites e componentes no Distrito Industrial de Barcarena, com energia hidroelétrica da usina de Tucuruí, transportá-los de balsa do Porto de Vila do Conde, o maior do Pará, para Soure, e lançá-los do cabo Maguari. A primeira série de foguetes já tinha até nome: Jacuraru. O topônimo do município de Soure tem origem na vila homônima no distrito de Coimbra, em Portugal, a qual os romanos chamavam de Saurium, “lagarto”. Os marajoaras apreciam, na panela, jacuraru, uma espécie de camaleão comum nas ilhas. Agora, começariam a enviar jacuraru para o espaço.

Antes que o próprio homem se aventurasse no espaço sideral, enviou animais. Segundo registros, os experimentos começaram em 1783, na França. Os irmãos Montgolfier, que inventaram o balão de ar quente, enviaram uma ovelha, um pato e um galo para o espaço, a bordo de um balão; os animais regressaram ilesos à Terra. Em fevereiro de 1947, os americanos embarcaram várias moscas-das-frutas em um foguete V-2, em voo de poucas horas e que retornou em segurança à Terra; queriam saber o efeito da radiação em altas altitudes. Em 1949, enviaram o macaco Albert II, seguido de aranhas, ratos e sapos. Mas em órbita, mesmo, os pioneiros foram os russos, que, em 3 de novembro de 1957, puseram uma cadela, chamada Laika, a bordo da nave Sputnik; Laika morreu logo após o início da viagem, de estresse.

Se a Alemanha não fosse derrotada na Segunda Guerra Mundial seria ela a iniciar a corrida espacial. Quando os aliados venceram a guerra, os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) trataram de capturar a maioria dos engenheiros alemães do projeto Míssil V-2, que começou em 1943. O V-2, Vergeltungswaffe 2, Arma de Vingança 2, foi o primeiro míssil terra-terra a combustível líquido operacional do mundo, contando com controle de voo automático. Aos Estados Unidos coube a sorte de capturar Wernher Magnus Maximilian von Braun (1912-1977), polonês de Wirsitz, província de Posen, hoje chamada Wyrzysk, que já foi parte da Prússia e do Império Alemão. Braun foi o principal responsável pelo desenvolvimento dos foguetes V-2 na Alemanha Nazista e pelo Saturno V, que levou as naves Apollo para a Lua.

Mas coube à Rússia pôr o primeiro homem no espaço, Yuri Gagarin (1934-1968), em voo orbital de 1 hora e 48 minutos, a bordo da nave Vostok 1, em 12 de abril de 1961. É dele, nesse voo, a célebre frase: “A Terra é azul”, e também uma frase comunista: “Olhei para todos os lados, mas não vi Deus”, certamente para agradar a Nikita Khrushchov. O foguete que levou a Vostok 1 foi o Sputnik, graças ao talento do engenheiro soviético Sergei Korolev, então engenheiro-chefe do programa espacial soviético; foi ele que conseguiu convencer Nikita Khrushchov, o então kzar da URSS, a investir no espaço. Ele queria levar o homem à Lua.

Os americanos deram uma resposta quatro meses depois do lançamento do Sputnik 1, em 31 de janeiro de 1958, com seu primeiro satélite, o Explorer I, seguido, tanto pelos Estados Unidos quanto pela União Soviética, por vários satélites, de comunicação, meteorológicos e espiões, além do envio de sondas para satélites naturais e planetas do sistema solar, e, finalmente, para o espaço interestelar. Em julho de 1958, os americanos criaram a National Aeronautics and Space Administration (Nasa), Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, a agência espacial dos Estados Unidos, com a missão de coordenar a exploração do espaço sideral.

A Apollo 11 concretizava um objetivo estabelecido em 25 de maio de 1961 pelo presidente John Kennedy no Congresso dos Estados Unidos: “Antes de esta década acabar, vamos aterrissar um homem na Lua e retorná-lo em segurança para a Terra”. A coisa começou com os projetos Mercury, Gemini e Apollo. Para lançar o foguete Saturno, os americanos construíram o Centro Espacial John Kennedy, uma base da Força Aérea americana no Cabo Canaveral, ou Cabo Canavial, na Flórida, onde havia um farol em 1843. Trata-se da região da costa leste americana mais próxima do Equador e mais distante de cidades. No Natal de 1968, Frank Borman, James A. Lovell Jr. e William A. Anders entraram em órbita na Lua, e, em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong e Buzz Aldrin alunissaram no módulo lunar Eagle. Seis horas depois do pouso, já no dia 21, Armstrong desembarcou, seguido, vinte minutos depois, por Aldrin. Ambos ficaram duas horas e quinze minutos fora do módulo e coletaram 21,5 quilos de solo lunar. O astronauta Michael Collins ficou controlando o módulo de comando Columbia na órbita da Lua durante as 21 horas e meia na ausência de Armstrong e Aldrin. A alunissagem foi mundialmente transmitida ao vivo pela televisão. Ao pisar na Lua, Armstrong disse: “É um pequeno passo para um homem, mas um passo gigante para a humanidade!” A Columbia foi lançada por um foguete Saturno V, no Centro Espacial John Kennedy, em 16 de julho; era a quinta missão tripulada do Programa Apollo da Nasa. Amerissaram no Oceano Pacífico em 24 de julho, após oito dias no espaço e um esforço de 20 bilhões de dólares, envolvendo 20 mil fábricas de peças e componentes e 300 mil trabalhadores. Foram cinco pousos na Lua, com o total de doze americanos passeando no satélite, onde fixaram uma placa: “Aqui, os homens do planeta Terra pisaram pela primeira vez na Lua. Julho de 1969. Viemos em paz, em nome de toda a humanidade”.

Como a Linha do Equador é o local de rotação mais veloz da Terra, o Jacuraru teria tudo para ampliar a fortuna dos Sá Dourado, assim como o PIB francês é ampliado por três foguetes lançados na base espacial em Kourou, no meio da selva, no Departamento Ultramarino francês, a Guiana Francesa: Ariane, Soyuz e Vega. O maior deles, o Ariane 5, foi criado em 1996, levando para o espaço alguns dos maiores satélites de telecomunicações e meteorologia do planeta. O projeto do Ariane 6, foguete de 62 metros de altura, desenvolvido para lançar espaçonaves ainda maiores do que as transportadas pelo Ariane 5, tem orçamento de 2,4 bilhões de euros, dinheiro dos países da Agência Espacial Europeia (ESA); mais barato e eficiente do que o Ariane 5. Cada lançamento do Ariane custa em torno de 100 milhões de dólares.

Mas uma nova geração de foguetes reduziu os custos. A SpaceX, Space Exploration Technologies, do bilionário Elon Musk, pode fazer a mesma coisa que o Ariane 5 dezenas de milhões de dólares mais barato. Os dois primeiros foguetes da empresa são os Falcon 1 e Falcon 9, homenagem à Millennium Falcon, de Star Wars, e sua primeira nave espacial é a Dragon, em homenagem ao filme Puff the Magic Dragon, tudo isso concretizado em apenas sete anos. Em setembro de 2008, o Falcon 1 fez história: tornou-se o primeiro foguete privado a colocar um satélite na órbita terrestre, e, em 25 de maio de 2012, a Dragon ancorou na Estação Espacial Internacional, tornando-se a primeira empresa privada a fazer isso.

O Brasil possui duas bases de foguetes: o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, em Natal/RN, e o Centro de Lançamento de Alcântara/MA, ambos na Região Nordeste. A Agência Espacial Brasileira (AEB) coordena o programa espacial desde 1994, pesquisando e desenvolvendo tecnologias para a produção de foguetes e satélites, mas o programa enfrenta um gargalo: tanto o centro de lançamento de foguetes do Rio Grande do Norte quanto o do Maranhão vêm sendo estrangulados; o do Rio Grande do Norte por especulação imobiliária e o do Maranhão por questões fundiárias, referentes a demarcações de terras quilombolas. Em 2011, o site WikiLeaks revelou um telegrama do Departamento de Estado americano para sua embaixada em Brasília, enviado em janeiro de 2009, com o seguinte teor: “Não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil. Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”.

Enquanto Ana Sá focava a Base do Camaleão, Alex se interessava mais por ETs e objetos voadores não identificados (Ovnis), ou Ufos, na sigla em inglês. Até hoje, não há evidência científica para embasar a ideia da existência de uma raça extraterrestre e uma corrente de cientistas relaciona Ovnis a fenômenos atmosféricos ou a histeria. Mas para Alex a existência de incontáveis raças no Universo era ponto pacífico, pois essa certeza vinha de incansável pesquisa e, sobretudo, relatos de médiuns, além da ufologia casuística, largamente conhecida. A expressão disco-voador, por exemplo, vem do inglês flying saucer, pires voador, utilizada pela primeira vez pelo jornal Y East Oregonian, na edição de 25 de junho de 1947, durante entrevista com o piloto civil Kenneth Arnold, que acabara de passar pela experiência de ver nove objetos voadores em forma de pires, muito brilhantes, quando sobrevoava o Monte Rainier, nos Estados Unidos. Ele comparou os objetos a pires quicando sobre a água. O fato é que naves espaciais sempre foram avistadas e registradas em toda a história da humanidade. No Brasil, o mais importante registro da existência de Ovnis e ETs é a Operação Prato, conhecida popularmente como Chupa-Chupa, ocorrida na costa do Pará, com epicentro na ilha de Colares, estendendo-se a Belém e ao Marajó. Realizada oficialmente pela Força Aérea Brasileira (FAB), entre outubro e dezembro de 1977, acredita-se que continuou, secretamente, durante o ano de 1978, segundo indicam documentos oficiais.

O interesse de Alex, no entanto, era sobre a ufologia do ponto de vista espiritualista. No imaginário da maioria dos seres humanos os alienígenas são inimigos, mas, na teoria do astrofísico e médium brasileiro Laércio Fonseca, os seres extraterrestres são espíritos como os seres humanos; obedecem a um comando planetário e se locomovem pelo cosmos em velocidade quântica, manipulando diversos estados da matéria. Segundo o que Laércio Fonseca chama de Projeto Terra, a Humanidade começou a ser planejada por instâncias superiores há cerca de 4,5 bilhões de anos, e os seres humanos começaram a encarnar aproximadamente há 100 mil anos, vindos de outros projetos, dotados de livre arbítrio para agirem conforme suas consciências durante a experiência da jornada na matéria, rumo à consciência cósmica. A questão é que a ciência jamais conseguiu encontrar o espírito, voltando-se então para o átomo, o espaço, as estrelas, acreditando que toda a realidade está à sua volta. Nessa busca, acabou surgindo a competição e com ela o poder.

Que poder? Seria a capacidade do arbítrio, do mando, do autoritarismo, da soberania, do império? Na sua jornada na Terra, desde que começou a encarnar, o homem anda atrás de poder, de monopólio, principalmente econômico e militar; anda atrás de obter a dependência do outro. Thomas Hobbes organizou a ideia do poder ao analisar que a organização do Estado e dos poderes é um contrato social, ou constitucional, que substitui o estado de natureza; neste, domina a força física e a lei do mais forte, que Hobbes denomina de Mundo Cão ou Caos Social. E o poder dos corruptos, do crime organizado? E qual seria o poder máximo? O amor? Será o amor um poder, ou um estado de espírito? Qual seria o poder exercido pelos seres extraterrestres? – Alex perguntava-se, lembrando Laércio Fonseca: “É muito simples para um ET materializar-se entre nós, assim como o é para um espírito, mas isso contraria as normas do Projeto Terra; é o homem quem deve elevar sua consciência e deixar as trevas para alcançar essa realidade, não o contrário”. Isso não seria ir para dentro de si mesmo?

Mas uma coisa lhe parecia clara: os ETs não pousarão em uma praça e se apresentarão aos humanos; levarão muito tempo para se apresentarem, embora Alex acreditasse que eles estão entre nós, disfarçados de nós, desde sempre. Ora, não havia uma alma sequer na Terra e hoje estamos caminhando para os 8 bilhões. Logo, todos viemos de fora, de outro plano, e, segundo cálculos de Laércio Fonseca, pelo menos 5 bilhões de almas estão hoje na primeira encarnação na Terra. Diante disso, o plano físico parece o mais primitivo de todos os planos, o que significa dizer que a raça humana não conquistará o espaço fora do sistema solar com naves movidas pela tecnologia que conhecemos; só conhecerá o nosso sistema solar, como também outras galáxias, fora da matéria tal qual a conhecemos, condensada pela vida, nos seres biológicos, e pela força eletromagnética nos seres inanimados.

E como o plano espiritual se revelará à toda a Humanidade? Há um caminho: por meio dos nossos irmãos de planos superiores. O que requer um nível de preparação interior elevado, um estado amoroso – Alex ponderava. “Paz interior, harmonia com a natureza e coração aberto para as estrelas são as condições para um verdadeiro encontro. Quando uma pessoa muito importante está para nos visitar em nossas casas, nossa primeira atitude é a de limparmos tudo, enfeitarmos com flores, com perfumes, prepararmos o melhor jantar e darmos ao nosso ilustre visitante aquilo que possuímos de melhor. Assim também deve ser com nosso interior, quando um visitante ilustre está para chegar em nosso mundo. Portanto, vamos manter nosso edifício interno preparado para essa visita” – diz Laércio Fonseca, no seu livro Projeto Terra.

Alex pensava nisso enquanto olhava para a fauna que desfilava à sua frente quando foi apresentado a Bob Herman, assessor de William Popp. Acabaram engatando uma conversa em inglês. Herman era surpreendente. Lembrava um Baby Herman negro, nascido na Louisiana, formado em Literatura Americana e especializado em Literatura Ibero-Americana. E Alex era leitor voraz; tomou gosto por literatura com seu avô, Dorinato Kubitschek Dourado, que tinha na figura de João Guimarães Rosa o escritor máximo brasileiro. Com efeito, Guimarães Rosa criou uma das personagens de ficção femininas mais extraordinárias de toda a literatura brasileira, e mundial: Reinaldo, ou Diadorim, ou Maria Deodorina da Fé Bittencourt Marins, mulher travestida de homem, capaz de fazer quase qualquer coisa que um homem faz. Quando a TV Globo transpôs Grande Sertão: Veredas para a telinha, quem encarnou Diadorim foi Bruna Lombardi, uma das mais belas atrizes brasileiras, entre tantas e tantas beldades. Porém, quando se tratava de mulher, Alex estava mais para Capitu do que para mulheres ambíguas.

– Gosto muito de Machado de Assis – disse Bob, puxando papo exatamente para um terreno familiar a Alex.

– Trata-se do escritor mais emblemático do Brasil, por ser muito conhecido e mulato. Na escola, tanto no ensino fundamental como no médio, os professores costumam apresentar uma foto dele feita talvez com o propósito de disfarçá-lo, de maquiá-lo como branco, uma tentativa de esconder que a mestiçagem é base da etnia brasileira; somos, como você certamente sabe, um caldeirão étnico misturando três elementos: o europeu, o ameríndio e o africano. O resultado é o povo mais maravilhoso que há na face da Terra, um povo que não discrimina a cor da pele nem religiões. Há uma discriminação, mas superficial, aquela que é mais um impulso do que um abismo como na Inglaterra, por exemplo, e, por extensão, como nos Estados Unidos – Alex despejou.

Harold Bloom ouvia atentamente. Pensou um pouco e disse:

– Machado de Assis é o maior escritor negro de todos os tempos, certamente.

– Creio que sim. Maior do que os escritores negros americanos, porque Machado é o maior do Brasil, que, por sua vez, tem uma importância fundamental no concerto das nações. Somos importantes por quê? O nosso sincretismo, nosso potencial em produzir alimentos e nosso continente tropical nos fazem o país do Cruzeiro, a potencial pátria de uma nova humanidade. Machado também é emblemático porque nasceu no morro; era pobre, é claro. Estudou em escolas públicas, jamais frequentou universidade e foi funcionário público a vida toda. Mas, mesmo assim, fundou a Academia Brasileira de Letras. Os brasileiros gostam de academias. Acho que em cada uma das 5.570 cidades brasileiras há uma academia de letras; e seus membros se sentem tão importantes quanto Machado. Não sei o que os portugueses, que são os criadores do Brasil, acham de Machado; talvez achem que é mais um negro tentando dizer alguma coisa da senzala. Só não é conhecido mundialmente porque era brasileiro e escrevia em português. Se tivesse nascido, hoje, estaria ferrado. Entre os brasileiros de hoje, e não sei se sempre foi assim, fazer sucesso é uma ofensa pessoal. Não sei de onde vem essa inveja, mas é assim. Jorge Amado só fez sucesso porque foi ajudado pelo Partido Comunista, que é uma espécie de igreja: de um lado, os cardeais; do outro lado, a miudeza dos corruptos e a multidão de ingênuos. Amado era cardeal. Creio que o ponto mais alto de Machado é Dom Casmurro, romance que tem como sinopse o ciúme. Ou fofoca? Ciúme é um elemento muito forte na cultura brasileira. O que é ciúme? É possessividade, uma pessoa dona do outro; e é assim que é, todo mundo é dono do outro, aqui no Brasil. Contudo, Machado cria, em Dom Casmurro, senão a personagem feminina mais sensual de toda a literatura brasileira, o que eu identifico como a mulher carioca. O fato é que Capitu é uma personagem deliciosa, o embrião da carioca moderna, que mora ou frequenta Copacabana, Ipanema e o Baixo Leblon, é malemolente e tem olhos de ressaca do mar. Para muitos, Capitu simplesmente metia chifre no marido, com o melhor amigo dele, ou amigo da onça, como se dizia nos anos sessenta do século passado. Para outros tantos, Capitu era apenas objeto de fofoca, e seu marido, Bentinho, paranoico. A questão é que o brasileiro, como de resto o machão ibero-americano, se pela de medo de imaginar sua santa esposa sendo trabalhada por terceiros. Mas fale-me de Faulkner, o grande escritor americano – Alex pediu.

– William Faulkner usava a técnica do fluxo de consciência, também utilizada por James Joyce, Marcel Proust, Thomas Mann, Virginia Woolf. Foi ele que narrou, como nenhum outro escritor, a decadência do sul dos Estados Unidos, criando inclusive um condado imaginário, Yoknapatawpha. Ele também criava múltiplos pontos de vista simultaneamente e utilizava mudanças bruscas de tempo narrativo. Foi genial, genial! Hoje, meu país é muito diferente do país de Faulkner, que nasceu trinta anos após o Sul ter sido derrotado pelo Norte. O Sul, então, vivia sob a supremacia dos brancos de origem inglesa, protestantes, puritanos e coloniais. Antes de se tornar um dos maiores escritores de todos os tempos, foi um faz-tudo. Como era baixinho, media 1,65 metro, foi recusado pelo serviço militar americano, e, assim, se alistou na Força Aérea canadense. Depois, passou um ano na Universidade do Mississippi, em Oxford, onde estudou inglês, francês e espanhol. De lá, foi trabalhar em uma livraria em Nova York, mas logo voltou para Oxford, onde trabalhou como carpinteiro, pintor de parede e agente dos Correios. Seu primeiro livro foi de poemas, The Marble Faun, publicado em 1924. No ano seguinte, foi para Nova Orleans, onde conheceu e foi influenciado por Sherwood Anderson, escreveu artigos para jornais e revistas e publicou seu primeiro romance, Paga de Soldado, em 1926. Deixou Nova Orleans em 1929 e se estabeleceu em Oxford, onde se casou com Estela Oldham e publicou Sartoris, o primeiro romance passado em Yoknapatawpha. Aí, vieram alguns livros que granjeariam respeito da crítica, mas só começou mesmo a vender bem com Santuário, de 1931; porém, quando estava precisando muito de dinheiro conseguia grana em Hollywood, como roteirista. Acho que ele chegou ao seu maior apuro com O Som e a Fúria, de 1929, a história dos Compson, decadente família do Mississippi. Faulkner disse que esse romance surgiu a partir da imagem de uma garotinha, Candance, Caddy, com a calcinha suja de lama, trepada numa árvore, descrevendo para seus irmãos pequenos e para os empregados domésticos negros o funeral da sua avó. A trajetória de Caddy é contada por meio do ponto de vista de seus irmãos, como Benjamin, Ben ou Benjy, que é idiota. “Uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria”, do monólogo de Macbeth, de William Shakespeare, em um fluxo contínuo de passado e presente, com o ar gasto de tanto carregar sons. Quanto à fúria, é a da derrocada. O próprio cansaço. Quando a personagem Dilsey assume a narrativa ela diz que os brancos se cansam facilmente, enquanto ela tinha que fazer todo o trabalho pesado e envelhecia. Mas ela sabia que todos são iguais. Ela diz, abrir aspas: “Os brancos morrem também. A tua avó morreu que nem qualquer negro”. Fechar aspas. Porém o que mais me impressiona na obra de Faulkner é a transcrição para o papel do fluxo de pensamento. Ele faz isso em longos parágrafos, longos períodos, com pontuação irregular. É o tal fluxo de consciência de Proust e Joyce, o que exige, no mínimo, cumplicidade do leitor, além de muita concentração e mais ainda interesse, se não o leitor não irá adiante – disse Bob, ao longo de uma dose dupla de bourbon.

– No Brasil, temos um escritor desse nível, Dalcídio Jurandir, que, por acaso, e não existe acaso, nasceu em Ponta de Pedras, na ilha de Marajó. Ele é pouco conhecido, porque os paraenses, que é também o povo da ilha de Marajó, não são bons para aplaudir e vender seus próprios escritores, pelo que já observei. No seu livro mais emblemático, Chove Nos Campos de Cachoeira, publicado em 1941, Dalcídio cria personagens de carne, osso e alma. O personagem central do romance, o menino Alfredo, sonha em sair do Marajó e morar em Belém, sonho que ele reparte com um caroço de tucumã, que é um coquinho da Amazônia. Em contraste com Alfredo, seu irmão, Eutanázio, de 40 anos, é destituído de sonhos; não tem sequer um objetivo, nem sentido na própria vida. Vive em um mundo absurdo. Para completar sua miséria, a jovem Irene o despreza. E assim como fazia Faulkner, as personagens de ficção de Dalcídio povoam seus livros como fantasmas, ora em um, ora em outro, em épocas diferentes, às vezes com o mesmo nome. Enquanto Faulkner recria o sul dos Estados Unidos mergulhado em sangue coagulado, espirrado da negrura do preconceito, Dalcídio apresenta uma Amazônia suja de lama, caboclos, ou cabocos, com a alma amortecida por cachaça, da mesma forma que seu doce linguajar silencia no amortecimento da língua pelo espilantol, o princípio ativo do jambu, a emblemática erva do tacacá, que é uma comida de origem indígena. Mas a lama pode surpreender, pois dela pode sair o Saurium.

Ficaram em silêncio durante alguns segundos. Bob tomou mais um gole de bourbon. Parecia empolgado com o conhecimento literário de Alex.

– Preciso ler esse Dalcídio – disse.

– Foram publicados 15 romances dele; creio que conseguirei pelo menos metade, em Belém, onde uma editora, Cejup, deve ter acervo dele em estoque, pois editou a obra de Dalcídio, senão toda, mas quase toda.

– Maravilha!

– Como nunca entraram no mercado para valer, os livros de Dalcídio são raros, e desconhecidos, é claro. Ele é o tipo de escritor que deveria ser editado e distribuído em edições comentadas, mas, como eu disse, os paraenses não são bons para vender arte. Creio que haja vários trabalhos acadêmicos sobre Dalcídio, mas não chegam às livrarias. Aliás, pouco da produção acadêmica do Brasil, quanto mais da Amazônia, chega ao mercado. Dalcídio está naquele grupo de escritores clássicos, como William Shakespeare, Miguel de Cervantes Saavedra, Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, e todo esse pessoal que escreve em vernáculo; esse pessoal, como você disse, deve ser lido em edições comentadas, a menos que o leitor os conheça muito, ou se identifique muito com eles.

A conversa acabou bruscamente, pois William Popp chamou Bob.

– Vou providenciar para que os livros cheguem às suas mãos – disse Alex, meio gritando enquanto Bob se afastava, e se preparando para dar o fora também. Ele não pretendia ficar mais na festa porque aquela segunda-feira começara atípica, fazendo-o voltar a pensar em um assunto que surgiu na sua vida devido a uma adolescente georgiana escravizada pela máfia russa.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Um dia de cada vez

Um dia de cada vez - Guia de suporte
emocional da mulher com câncer

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 17 DE ABRIL DE 2024 – Há um monte de livros intitulados “Um dia de cada vez”. Nas reuniões terapêuticas de viciados essa frase é muito lembrada. Alcoólatras, usuários de drogas em geral costumam repeti-la, como mantra, para lembrá-los de que a luta contra o algoz do vício é deflagrada todos os dias. 

A deusa da literatura brasileira, Clarice Lispector, a usou para “não perder as boas surpresas da vida”. Provavelmente ela quis dizer que os dias que virão, por mais rotineiros que se prenunciem, poderão ser surpreendentes, quem sabe, ensolarados como manhã de primavera. A vida é um mistério; um caminho, às vezes bifurcados por carmas. Mas em todo caminho há sempre luz. 

Eu utilizo bastante a frase “Um dia de cada vez” enquanto terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa. Não propriamente a frase, mas seu significado. A grande maioria das minhas pacientes sofre de ansiedade e então eu procuro conduzi-las ao “agora”. A vida só acontece agora. A eternidade é agora. Não podemos viver amanhã, nem ontem, mas somente hoje. Então vivamos completamente, mesmo com câncer! 

Viver, hoje, é preciso; viver, amanhã, não é preciso. Só hoje podemos curtir o sol, a brisa, o canto dos pássaros, o riso das crianças. Só hoje podemos conversar com Deus! Amanhã, não! Porque amanhã não existe. A intensidade da vida só acontece hoje. A intensidade é como o primeiro beijo, como a música de Mozart, como montar na luz. E isso tudo acontece dentro da gente. 

Agora, acaba de ser publicado mais um livro Um dia de cada vez, mas desta vez se trata de um Guia de suporte emocional da mulher com câncer (Editora Aja, Santa Catarina, 203 páginas), escrito por 10 psicólogas oncológicas de todo o Brasil e 10 pacientes oncológicas, organizado por Tatiane Lima. 

O livro “oferece uma luz de esperança em meio ao turbilhão emocional que acompanha o diagnóstico de câncer”. Nele, as psicólogas oncológicas esmiúçam as complexidades emocionais que acompanham o tratamento do câncer, levando luz às pacientes, que também compartilham as suas jornadas pessoais de luta e superação. Trata-se de um livro que promete transformar vidas, “um guia não apenas para mulheres com câncer, mas também para os seus familiares e profissionais da saúde”. 

“Em um instante, a vida muda drasticamente, o medo da morte e do sofrimento se tornam iminentes! É o que acontece quando somos confrontadas com o diagnóstico de câncer. Somos inundadas por um turbilhão de emoções e incertezas sobre um futuro que se revela totalmente diferente do que planejamos. No entanto, mesmo nos momentos mais sombrios, há luz e apoio para nos guiar. 

“Em Um Dia de Cada Vez – Guia do suporte emocional da mulher com câncer, além de histórias inspiradoras de pacientes oncológicas que enfrentaram essa batalha com coragem e resiliência, você encontra direcionamento de psicólogas especialistas em oncologia, com técnicas validadas e orientações para o cuidado emocional. 

“Desde o impacto inicial do diagnóstico até os desafios diários do tratamento, este livro oferece conselhos práticos e reflexões profundas sobre como encontrar esperança e apoio durante a jornada oncológica. Seja qual for a fase em que você se encontra, este livro é um lembrete gentil de que não estamos sozinhas. 

“Esta é uma jornada de um dia de cada vez, cheia de amor, compaixão e uma mensagem de esperança para todas as mulheres que enfrentam o câncer” – diz a apresentação do livro. 

As autoras: Agnes Sewo, Ana Tancredi, Claudia Pinho, Daniele Sousa, Gláucia Flores, Josiane Cunha, Maria Teresa de Bortoli, Paula Barros, Raphaella Pires e Thayane Baroni; e as pacientes: Dalva Lima, Damaris Franco, Enezia Schettini, Fátima Laplaca, Larissa Feitoza, Nayane Quaresma, Nayara Fagundes, Rita Tapié, Suélen Rocha e Thainara Proença.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Copacabana

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 15 DE ABRIL DE 2024 – A última vez que estive em Copacabana ocorreu no fim de fevereiro e início de março. Fui ao Rio para uma sessão de autógrafos do meu romance JAMBU, no restaurante Belém Belém Amazônia, no Posto 6, e para checar alguns endereços que entram no meu próximo romance. Fazia 40 graus à sombra, Copacabana fedia a esgoto e dos calçadões brotavam moradores de rua. 

Morei na Rua República do Peru, entre a Tonelero e a Barata Ribeiro, em 1972, dos 17 aos 20 anos, e estava trabalhando no meu primeiro livro solo de poemas. Já havia participado de uma coletânea, juntamente com mais dois poetas de Macapá/AP, minha cidade natal: Joy Edson (José Edson dos Santos) e José Montoril. Em 1971, publicamos XARDA MISTURADA. No Rio, escrevi Essa Copacabana Triste Mulher: 

Tua boca é pura flor embelezando-se ao sol de Copacabana

E tua figura é um desenho gostoso esculpido ao sol de Copacabana

E quando Copacabana inteira se prostituir

Os gemidos de amor serão a canção da moda em

Copacabana

Então a praia Copa será uma enorme cama. 

É como eu via Copacabana, uma rosa colombiana desnudando-se ao sol do Trópico, ao som de Tom Jobim, ou de Jorge Ben Jor. Rubem Braga fizera 22 advertências, em 1962, para a danação de Copacabana: 

1. Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas. 

2. Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite. 

3. Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniquidades e de tua malícia. 

4. Sem Leme, quem te governará? Foste iníqua perante o oceano, e o oceano mandará sobre ti a multidão de suas ondas. 

5. Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão. 

6. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua face; e o setentrião lançará as ondas sobre ti num referver de espumas qual um bando de carneiros em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as muralhas ruirão. 

7. E os polvos habitarão os teus porões e as negras jamantas as tuas lojas de decorações; e os meros se entocarão em tuas galerias, desde Menescal até Alaska. 

8. Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum. 

9. Ai daqueles que dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras refrigeradas, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do verão. 

10. Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação. 

11. Tuas donzelas se estendem na areia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a tez, e teus mancebos fazem das lambretas instrumentos de concupiscência. 

12. Uivai, mancebos, e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza, porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei. 

13. Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas linhas dos altos do Babilônia. 

14. E os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão libertados para todo o número de suas gerações. 

15. Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados? 

16. Antes de te perder eu agravarei a tua demência — ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão. 

17. E tu, Oscar, filho de Ornstein, ouve a minha ordem: reserva para Iemanjá os mais espaçosos aposentos de teu palácio, porque ali, entre algas, ela habitará. 

18. E no Petit Club os siris comerão cabeças de homens fritas na casca; e Sacha, o homem-rã, tocará piano submarino para fantasmas de mulheres silenciosas e verdes, cujos nomes passaram muitos anos nas colunas dos cronistas, no tempo em que havia colunas e havia cronistas. 

19. Pois grande foi a tua vaidade, Copacabana, e fundas foram as tuas mazelas; já se incendiou o Vogue, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão. 

20. A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos; e a ostentação da hetaira do Posto Cinco, em cujos diamantes se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis – tudo passará. 

21. Assim qual escuro alfanje a nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares. 

22. Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas joias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana! 

Porém eu digo: Copacabana é pura como o azul do Atlântico e imortal como as rosas colombianas. A Princesinha do Mar está inteira, e mais bela do que nunca. Vista da Confeitaria Colombo, no Forte de Copacabana, até o Leme, a Avenida Atlântica é a praia mais esplendorosa do mundo. 

Acabo de ler Na multidão (Companhia das Letras, São Paulo, 2007, 176 páginas), de Luiz Alfredo Garcia-Roza, o maior escritor policial brasileiro. Ele criou o delegado Espinosa, que mora no Bairro Peixoto e é titular da 12ª DP, na Rua Hilário de Gouveia, entre a Barata Ribeiro e a Tonelero, e quase não sai da Zona Sul. 

Os grandes escritores conseguem transmitir emoção para o leitor por meio dos cinco sentidos. Sentimos cheiros, sabor, vemos, ouvimos e pegamos. Ernest Hemingway, por exemplo. E assim é com Garcia-Roza. Ele legou doze romances. Li dez. Faltam dois. Chegou a hora de poupar, ler esses dois que faltam bem devagar, como fazia Hemingway com Joseph Conrad. 

Garcia-Roza era psicanalista e professor universitário, graduado em psicologia e filosofia. Talvez isso tenha lhe dado ferramentas para criar as personagens que ele forjou, como o delegado Espinosa, um homem comum, com dúvidas, angústias e solidão, mas estruturado em uma liga inquebrável: Espinosa é incorruptível. Esse é o princípio que o norteia em meio a um mar de corrupção. 

Garcia-Roza nasceu em Copacabana, em 1936, daí que conhecia a fundo o bairro, pois, como todo bom escritor, via o que as pessoas geralmente não veem, e, certamente, gostava de caminhar pelas ruas do bairro. Assim, já tinha o ambiente de Espinosa, quando o criou. Quanto aos demais personagens, procurava conhecer suas entranhas. Mais do que solucionar os crimes, Espinosa quer entender por que os cometeram, como no caso do assassino de Na Multidão. 

Uma senhora procura o delegado, na 12ª DP, mas Espinosa está em reunião. Ela diz que precisa ir, porém voltará mais tarde. Vai embora e é atropelada e morta em uma esquina apinhada de gente, em horário de pico. Entretanto, testemunhas dizem que pareceu que ela foi empurrada. 

Surge um suspeito, ligado à morte de uma menina, 40 anos atrás, no Bairro Peixoto. Uma amiga da senhora que morreu atropelada aparece morta, com o pescoço quebrado. E ambas eram amigas da mãe do suspeito, que morreu em circunstâncias suspeitas. Mas não há prova alguma. Apenas suspeita. Até que Espinosa descobre que ele é o próximo.

Não é só isso. As 176 páginas de Na Multidão estão recheadas de surpresas, suspense, erotismo e Copacabana. Delícia!

domingo, 14 de abril de 2024

Conto que dá título a TRÓPICO, de RAY CUNHA

TRÓPICO pode ser adquirido no Clube de Autores e na amazon.com.br

LUCAS Miguel Benítez Loyola. Lucas, em homenagem ao pai; Miguel, ao avô paterno; Benítez, sobrenome paterno da sua mãe; e Loyola, sobrenome paterno do seu pai, paraense de Belém, e que desde que fora fazer faculdade no Rio sempre morou em Copacabana, Rio de Janeiro. Lucas pai era neurocirurgião. Conheceu sua esposa, a bela psicóloga catalã Andreza Isabel Navarro Benítez, durante encontro internacional de psiquiatria e psicologia no Copacabana Palace. Casaram-se e viajaram imediatamente para a cidade natal de Isabel, Barcelona, a imperatriz do Mediterrâneo, onde sua família descendia de uma linhagem de mestres em Medicina Tradicional Chinesa. Não deu outra, Lucas pai conheceu o Instituto Superior de Medicinas Tradicionais (Ismet), onde se especializou em medicina chinesa. Brilhante, aprendeu mandarim com facilidade espantosa e mergulhou nos clássicos da milenar ciência, bem como no taoísmo e no zen-budismo, e procurou transmitir ao filho a essência de tudo o que aprendera.

Lucas nasceu em 20 de julho de 1969, ao lado do Copacabana Palace Hotel, no apartamento da família, no sétimo andar do Edifício Chopin. Nasceu no mesmo momento em que os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin alunissavam o módulo lunar Eagle. Dezessete anos depois, em 1986, o médium Chico Xavier conversava com o escritor e editor Geraldo Lemos Neto e a médica Marlene Nobre quando falou a respeito do que Geraldo Lemos chamou de Data-Limite, moratória de 50 anos (20 de julho de 1969 a 20 de julho de 2019) que o Comando Planetário do Sol dava para a Humanidade. Se nesse intervalo não fosse deflagrada a Terceira Guerra Mundial, a Humanidade entraria em uma era de amor, paz, luz e prosperidade. Em caso de uma guerra atômica, poucas regiões do planeta escapariam do armagedom, uma série de cataclismos que se sucederiam a explosões nucleares. O Brasil seria uma região abençoada, onde se abrigaria a maior parte da Humanidade, especialmente os habitantes do Hemisfério Norte, que seria arrasado. Assim, pensou Lucas, considerando-se que a ameaça de uma guerra nuclear no intervalo da Data Limite já é passado, a era da luz já começou, e os avatares que trarão a boa-nova, seres de civilizações muito mais avançadas do que a terráquea, começaram, aos poucos, a se apresentar para a raça humana.

Lucas tinha dois grandes amigos de infância: Luiz Cabral Maia Júnior e Octávio de Oliveira Noblat. Ingressaram juntos na Universidade Federal do Rio de Janeiro; Luiz Cabral Júnior no curso de Direito, Octávio de Oliveira Noblat no de Jornalismo e Lucas no de Medicina, o qual abandonou um ano depois, fez novo vestibular e entrou no curso de Jornalismo, formando-se um ano depois de Noblat, como Octávio era conhecido. A mudança se deu pelo seguinte: ainda no primeiro ano de Medicina, mas conversando com alunos do último ano e com residentes, Lucas observou, consternado, que o aprendizado da ciência médica requeria experiências e treinamento com cobaias, e Lucas percebeu que as cobaias sofriam com os protocolos a que eram submetidas. Observou também que, embora supervisionados pelos professores, alunos sem o menor talento para procedimentos médicos submetiam pacientes carentes a sofrimento e a perigo inclusive de vir a óbito. Ao fazer essa investigação, que surgira de conversas com colegas seus, a coisa, para ele, ficou insustentável. Então se dedicou, durante um mês, a coletar dados e provas sobre o que chamou de corredor da morte, após o que escreveu longo artigo sobre o assunto e o enviou para o jornal O Globo, que o publicou. Foi aí que descobriu que se não tinha talento para a Medicina, tinha-o para o Jornalismo.

Noblat vinha de uma família que praticava tai-chi chuan, rompeu com essa tradição e, ainda rapazola, começou a treinar kendo, e convenceu Lucas e Luiz Cabral a treinarem também. Um mês depois, Luiz Cabral desistiu; quanto a Lucas, sentiu que tinha habilidades insuspeitas com a katana. Noblat se dedicava de corpo e alma ao kendo, mas Lucas descobriu que ele cometia um pecado capital: a vaidade. Noblat treinava muito, e Lucas descobriu que Noblat treinava inclusive secretamente apenas para exibir suas habilidades nos embates com Lucas.

Foi nessa época, aos 18 anos, que houve uma reviravolta na vida de Lucas. Ele soube que havia um mosteiro Shaolin em Limeira/SP, e, nas férias de fim de ano, viajou para lá.

O famoso Templo Shaolin foi construído em 495, pelo imperador Xiaowen, da dinastia Wei do Norte (386-557), para abrigar o mestre indiano Batuo Buddhabhadra, primeiro abade do mosteiro. Em 520, o mosteiro abrigou o monge indiano Bodhidharma, também conhecido como Ta Mo, em chinês, e Daruma Taishi, em japonês, vigésimo oitavo patriarca budista e primeiro patriarca zen-budista, que criou o estilo chan (zen) do budismo e o estilo shaolin de kung fu. Para fortalecer os monges, fisicamente debilitados com tanta meditação, Bodidarma impôs um exaustivo treinamento físico, o que se tornaria a arte marcial do kung fu shaolin, além de exercícios de paciência e humildade, e técnicas de meditação, que os levariam a desenvolver o verdadeiro poder: o da mente. Em 1733, os Manchus, que haviam invadido a China, destruíram o templo. Mas sobreviveram cinco mestres e quinze discípulos, que se espalharam e começaram a treinar secretamente alguns eleitos. Nesse meio tempo, o mosteiro foi destruído e reconstruído várias vezes, mas funciona até hoje, embora se constitua em uma pálida lembrança do que foi. Em 2000, o abade Shi Yongxin autorizou a abertura de filiais do mosteiro fora da China.

Durante dois meses, todos os dias, Lucas se dedicou a um treinamento até o desmaio para desenvolver sua resistência e habilidade, a ponto de ser capaz de atingir com a espada uma abelha em pleno voo. De volta à Copacabana, viu, logo no primeiro encontro com Noblat, que ele se tornava cada vez mais fanfarrão, gabando-se da sua evolução no kendo e no tiro ao alvo, no qual, realmente, demonstrava rapidez e pontaria inacreditáveis.

Durante a década de 1990, Lucas e Noblat estagiaram em O Globo e foram contratados pelo jornal, e depois pela revista Veja Rio. Quanto a Luiz Cabral Júnior, foi efetivado em uma banca especializada na defesa de políticos. Seu pai, o clínico geral Luiz Cabral Maia, velho amigo de Lucas pai, se elegeu senador, em 1998; no ano seguinte, Luiz Cabral Júnior seguiu para Brasília, para assumir a chefia de gabinete do pai, e Noblat, a assessoria de imprensa do senador. Lucas, que tinha então 29 anos, foi apresentado, durante première no Copacabana Palace, à deslumbrante atriz acriana de origem holandesa Brigitte Van Dijk Nassau. Estrela dos filmes Filhinha do papai e O que fazer para prender minha esposa?, do cineasta carioca Arlindo Ipanema, ela agora brilhava no seu novo filme: A garotinha cresce, da cineasta também carioca Luciana Magalhães. Dormiram juntos, naquela noite, no próprio Copacabana, e, dois dias depois, embarcaram para Belém, onde tomaram um navio para Manaus, e, de lá, foram de avião para Rio Branco. Passaram dois meses na Amazônia, ao fim do que retornaram para o Rio de Janeiro e se casaram. Um ano depois, nasceu Andreza Isabel Nassau Loyola. E foi aí que a coisa desandou. Brigitte teve um caso com Arlindo Ipanema e engravidou dele. Lucas pediu divórcio e se separaram, e ficou com a guarda de Andreza. No início de 2000, Brigitte entrou em trabalho de parto para ter o bebê de Arlindo Ipanema quando a tragédia aconteceu: ela e a criança morreram por complicações durante o parto. O bebê morreu estrangulado pelo próprio cordão umbilical e ela, de hemorragia. Assim, a pequena Andreza foi criada, desde bebê, pela avó. Mas Lucas se tornou amicíssimo de um tio de Brigitte, Maurício Nassau, especializado em informática nos Estados Unidos, com experiência no Vale do Silício e no setor de inteligência do governo federal brasileiro.

Foi também nessa época que Isabel Navarro Benítez descobriu que seu marido tinha uma amante e resolveu retornar de vez para Barcelona, levando a neta. Assim que partiu, a amante de Lucas pai morreu atropelada. Foi quando o senador Luiz Cabral Maia o convidou para assumir a direção do Hospital Juscelino Kubitscheck, que adquirira após um ano de mandato, e, a Lucas filho, ofereceu o cargo de assessor de imprensa, trabalhando com seus dois amigos de infância: Luiz Cabral filho e Noblat.

Em 2006, Luiz Cabral pai se reelegeu, mas Lucas caiu fora do seu gabinete; o senador estava atolado no Mensalão, monumental esquema de compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional. Nesse meio tempo, Lucas começou a trabalhar no Correio Braziliense e, depois, na Trópico – Revista Geopolítica, editada por uma das jornalistas mais brilhantes de Brasília: Natacha Fabre Tahan, que fazia mestrado em política internacional nos Estados Unidos. Quando terminou a pós-graduação, retornou para Brasília. Era filha do pioneiro e magnata da construção civil, o judeu-russo Vladimir Tahan, e da francesa Catherine Fabre, que vieram para Brasília a convite de Juscelino Kubitscheck e fizeram fortuna. Ao retornar à cidade, em 2004, casou-se com o pintor gaúcho radicado em Brasília, André Bellinazo, e logo depois fundou a Trópico – Revista Geopolítica. Lucas a conhecera no gabinete do senador Luiz Cabral Maia. Ela ia lá atrás de informações e costumavam almoçar juntos. Logo que Lucas saiu da assessoria de imprensa e foi para o jornal Correio Braziliense, como redator, escreveu uma série de artigos geopolíticos sobre o Brasil, especialmente sobre a Amazônia, por quem era apaixonado, desde que fora conhecer a família do seu pai, espalhada em Belém e Manaus, e a de Brigitte, em Rio Branco. Em 2011, aconteceram duas coisas importantes na vida de Lucas: seu pai faleceu e Lucas se sentiu miseravelmente só, pensando em passar um tempo em Barcelona, mas, poucos dias depois da morte de Lucas pai, Natacha Tahan o convidou para assumir a subeditoria da revista. Ele aceitou. Um dia, naquele ano, ficaram enrolando até tarde na revista, até que ela resolveu tomar a iniciativa. Foram para o apartamento de Lucas e passaram o restante da noite trabalhando, mas em outra ordem de atividade. Entre Natacha e seu marido, André Bellinazo, não havia segredos, nem tabus. Assim, Natacha comunicou a Lucas que André Bellinazo achou natural que ela tivesse um amante, que achava Lucas um cara bacana e até deu a entender que se Natacha quisesse ela poderia ir para a cama com os dois, o que Lucas descartou imediatamente.

Quanto ao senador Luiz Cabral Maia, tornou-se, em 2019, presidente da Mobilização Nacional (Mona), partido ao qual Lucas chamava de Magos Negros.

Assim, o apartamento em Copacabana fora vendido e comprado outro no Sudoeste, bairro no Plano Piloto de Brasília, na Quadra 102, Bloco H, Edifício Le Triumph, onde Lucas morava desde março de 2000, quando o prédio foi inaugurado, e para o qual se mudara juntamente com seu pai. Gostava do bairro, Setor de Habitações Coletivas Sudoeste (SHCSW), ou, simplesmente, Sudoeste, criado em 10 de julho de 1989, quando o urbanista Lúcio Costa assinou o Projeto Brasília Revisitada. Em 1993, começaram a surgir os primeiros prédios residenciais e comerciais e os primeiros moradores se mudaram para lá. Logo no início, o bairro era conhecido como Sudalama, pois quando chovia um rio de lama escorria do Sudoeste para o Parque da Cidade Sarah Kubitschek, ao sul, cobrindo a Estrada-Parque Indústrias Gráficas (Epig), que separa o Sudoeste do Parque da Cidade, mas, pouco tempo depois, o Sudoeste se tornou um dos metros quadrados mais caros do país.

O Le Triumph se localiza quase de frente ao centro hípico do Parque da Cidade, cruzando-se a Epig. No outro lado do prédio há uma pracinha. Lucas desceu e tomou a calçada entre a pracinha e o Bloco J, Edifício Fênix, e se dirigiu a Pães e Vinhos. Era outono, início de maio, e a ordem era só sair de casa quando absolutamente necessário, e de máscara, por causa da pandemia de coronavírus.

Logo no início de 2019, o senador Luiz Cabral Maia começou a bater ponto no Palácio do Planalto, levando consigo, sempre que ia lá, uma saca de confete.

            De volta ao apartamento, enquanto degustava pão com manteiga e café com leite, Lucas repassava a conversa que tivera com Natacha, à noite, na revista, situada no estratégico Brasil 21, no Setor Hoteleiro Sul (SHS). A Trópico ocupava um conjunto de salas na Business Center Tower, com vista para a Torre de TV, no Eixo Monumental.

             – Observei que você vem conversando muito com a Clarice; tem alguma coisa a ver com essa investigação?

            Clarice Melo trabalhava há um ano e meio na revista. Tinha 27 anos. Lucas instruiu-a a colar no senador e em Noblat.

            – Sim! Ela também está perto de encontrar provas irrefutáveis do plano do senador.

            Em torno das 10 horas, Lucas foi até a cozinha e pegou uma goiaba. Depois, ligou para seu velho amigo Maurício Nassau, tio de Brigitte, da Total Segurança. Maurício era um gênio, um hacker talentoso. Trabalhou na Agência Brasileira de Informações (Abin), de 1969 até dezembro de 2003, ao fim do que se desligou da instituição. Percebera, ao longo de 2003, que mudanças profundas começaram a ocorrer no país, e que seria mais útil, como patriota, trabalhar para a banda boa das instituições brasileiras. Maurício tratava Lucas como a um filho.

            – Maurício, você tem que descobrir onde fica o supercomputador do senador, ainda hoje! – disse Lucas, em um tom meio desesperado.

            – Vou descobrir.

            Assim que Lucas desligou o celular o aparelho tocou novamente. Atendeu. Ficou pálido. Desligou o aparelho. Trocou de roupa às pressas e desceu do apartamento, tomou pelo caminho, ao lado do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, entre as Quadras 103 e 104, e saiu na Epig, cruzou-a e entrou no Parque da Cidade, tomou a calçada atrás do restaurante Gibão Carne de Sol rumo ao Bosque dos Pinheiros, entre o Gibão e o Alpinus Choperia e Galeteria. A certa altura viu, ainda longe, o movimento dos policiais. Quando se aproximou, o delegado Baruch, titular da Terceira DP, do Cruzeiro Velho, se aproximou dele. Lucas viu que também o delegado Larroyed, da Coordenação de Repressão a Homicídios e de Proteção à Pessoa (CHPP), estava lá, esperando-o. Conhecia os dois, pois acompanhara o sequestro e assassinato de uma menor no Sudoeste, crime solucionado pelos dois delegados.    O local fora isolado por fitas, onde algumas pessoas trabalhavam em torno de um corpo e de uma cabeça, a cerca de três metros do corpo. Os olhos estavam arregalados e pareciam olhar para todos. Era a cabeça da repórter da Trópico: Clarice Melo.

            – Ela foi degolada com uma katana – Lucas balbuciou.

            – Katana? – perguntaram, simultaneamente, os dois delegados.

            – É uma espada japonesa – Lucas respondeu.

            Naquele mesmo dia, devia ser pouco mais de 16 horas, a temperatura no gabinete do delegado Larroyed estava por volta dos 21 graus. A Coordenação de Repressão a Homicídios e de Proteção à Pessoa fica na sede da Polícia Civil do Distrito Federal, localizada distante cerca de 500 metros do local onde foi encontrado o corpo de Clarice, no Parque da Cidade.

            – Noblat tem um álibi perfeito: passou a noite no gabinete do senador Cabral, e a câmera do corredor mostra que a Clarice deixou o gabinete às 21 horas – disse o delegado.

            – O senhor precisa olhar de novo a fita, para ver quem saiu do gabinete depois de Clarice, e, a partir daí, quem entrou. Precisamos ver se a mesma pessoa saiu e entrou das 21 horas até às 10 horas de hoje – Lucas observou. – E também precisamos ver as fitas do prédio onde Noblat mora, na 302 do Sudoeste. Essa, eu sei como conseguir. Trata-se da empresa de um grande amigo meu.

            – Sim, vamos fazer isso! – Larroyed exclamou, sem discutir os métodos de Lucas. – Ainda hoje terei uma cópia da fita. O chefe da segurança do Senado é meu amigo de infância e fizemos faculdade juntos.

Lucas deixou a Coordenação de Repressão a Homicídios e de Proteção à Pessoa em torno das 18 horas. Havia ido para lá de pés. Cruzou a Epig na altura da Quadra 105 do Sudoeste e se dirigiu para a Pães e Vinhos, na 103. Comprou pães, queijo e salgadinhos. Ao sair, deu a volta por trás do bloco e pegou a calçada que liga as quadras. Quando já estava atravessando a rua que separa as Quadras 103 da 102 olhou rapidamente para trás e viu um vulto parado atrás da Pães e Vinhos. Chegou ao calçadão da 103 e tomou por uma entrada paralela à calçada de pedestre, acocorou-se atrás de uma caçamba de entulho e aguardou. Ficou ali durante mais ou menos dois minutos, mas nada aconteceu. Saiu dali e esquadrinhou a paisagem, mas não viu nada suspeito. Então retornou, vagarosamente, para casa. Clarice, a pobre Clarice, descobrira alguma coisa. Os comunistas, brasileiros e internacionais, os bolivarianos, o pessoal do clube do Foro de São Paulo, as máfias, os corruptos, dos mais graduados à raia miúda, tinham recebido um tiro na artéria femoral; por enquanto, estavam estancando o sangue com torniquete, mas cedo ou tarde teriam que dar um jeito definitivo nisso. Estavam perdendo bilhões de reais por dia, por conta da eleição de Jair Messias Bolsonaro à Presidência da República. Ele foi radical: cortou pela raiz qualquer fisiologismo, demitiu, e continuava a demitir, cabides inteiros de emprego, cortou as verbas bilionárias desviadas para a imprensa amestrada e respondia aos repórteres de plantão e aos entrevistadores com a franqueza de um santo. Quando viram que ele ganharia as eleições, mesmo fazendo sua campanha com pouco dinheiro e sem o menor apoio da grande mídia, despacharam um assassino para acabar definitivamente com aquilo, mas Bolsonaro sobreviveu, e ficou ainda mais forte, pois soube, então, que estava jogando com assassinos. Desde que Bolsonaro assumiu o comando do Executivo que a guerra de terra arrasada começou. Os comunistas se armaram até os dentes, e continuariam se armando, e só parariam de atirar quando vissem o capitão exangue, e o explodiriam, ou fariam picadinho dele, ou o incinerariam, ou o jogariam no mar, amarrado e com uma bigorna atada aos pés, ou dariam um jeito de prendê-lo, humilhá-lo e matá-lo aos poucos, fazendo-o comer os próprios bagos. Os comunistas eram capazes de tudo por dinheiro, Lucas sabia disso; eram capazes de matar uma repórter da banda boa da imprensa como quem chuta um cachorro vira-lata que estivesse olhando muito de perto o prato de comida de um sujeito que odeia cães. E o próximo vira-lata poderia ser ele mesmo. Clarice teria feito uma descoberta muito importante. Em algum lugar, um computador armazenaria um planejamento completo de como desestabilizar o governo Bolsonaro, sua defenestração, seu ostracismo, sua humilhação, sua pulverização, mantendo-o vivo só para atirá-lo às hienas. Um jogo totalmente bruto.

A pandemia começou na cidade de Wuhan, no laboratório de pesquisa de vírus mais avançado da China, vinculado ao programa secreto chinês de armas biológicas. Aliás, tudo na China é secreto. Com 9,6 milhões de quilômetros quadrados e mais de 1,5 bilhão de habitantes, seu PIB é de 14 trilhões de dólares, atrás somente do PIB dos Estados Unidos, de 21 trilhões de dólares. E é uma potência nuclear. Um de janeiro de 1912 estabelece o fim da China imperial e o início da República da China. Em 1949, Mao Tsé-Tung funda a República Popular da China, em guerra civil que ceifou dezenas de milhões de chineses, e, já instalada a república popular, matou de fome mais de meia centena de milhões de civis. Em 1978, o então líder da China, Deng Xiaoping, abre uma brecha para a economia de mercado, mas o estado continua totalitário. Jornalistas e pesquisadores dão conta de que a poluição na China mata milhões de pessoas por ano, inclusive nos corredores da morte, onde a roleta russa entre dissidentes do Partido Comunista ou reles criminosos funciona em escala industrial. Esses condenados seriam desmantelados e seus órgãos vendidos no mercado negro. A internet é vigiada, a imprensa é castrada, e fazer filhos e professar uma religião ocidental não é tão simples assim. Os chineses comem basicamente arroz, e qualquer animal, incluindo peçonhentos, ratos e morcegos, cães e gatos. Uma feira chinesa é aterrorizante para um ocidental. É comum encontrar-se nelas o principal pet europeu-americano, o cachorro, aguardando, com olhar triste, em uma jaula, ser abatido ali mesmo. Grandes pandemias começaram na China, como a pior delas, no século 14, a peste bubônica, causada não por vírus, mas por uma bactéria, transmitida ao ser humano por pulga de rato e outros roedores. Em 1343, a peste chegou à Europa pela rota da seda. Estima-se que matou, então, 15% da população mundial, pelo menos 75 milhões de pessoas.

Teriam, os comunistas, criado um vírus capaz de instalar a Nova Ordem Mundial, totalitária? O coronavírus estava matando no mundo inteiro e derrubando a economia mundial, principalmente a dos Estados Unidos. Estaria, então, esse vírus, sendo usado como arma biológica? Se assim fosse, seria uma terceira guerra mundial? Os comunistas, e outras máfias, partindo para o confronte final contra o capitalismo. Supondo-se que os comunistas vencessem, então só a elite teria privilégios; a maioria dos humanos serviria como escrava, inclusive sexual, e para a retirada de órgãos. Mas não seria isso apenas uma dessas teorias delirantes da conspiração?

Contudo, Lucas nunca descartava a questão espiritualista. Partindo do pressuposto de que os débitos de carmas coletivos costumam ser resgatados em tragédias, as pandemias podem ser incluídas nesses resgates, promovendo desencarnes em massa, reunindo grupos de espíritos comprometidos com débitos semelhantes em reencarnações pregressas. Essas calamidades despertam solidariedade e amor. Conforme O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Alan Kardek: “As grandes provas são quase sempre um indício de um fim de sofrimento e de aperfeiçoamento do espírito”. E, no Livro dos Espíritos, também de Allan Kardec, lê-se: “Se um povo não avança bastante rápido, Deus lhe provoca, de tempo em tempos, um abalo físico ou moral que o transforma”. O espírito reencarna onde tem vínculos de amor e de ódio, ou seja, junto aqueles com quem tem fortes laços de amor ou de ódio, de forma que os explorados e exploradores do Brasil colonial para cá estão entre nós, reencarnados ou não, incluindo assassinos, ladrões, aventureiros, exploradores, malandros e vagabundos. Sempre foi assim; a Terra é uma escola. Só o cenário muda. Os que viviam à custa do trabalho escravo, inclusive nos dias de hoje, reencarnarão como um político honesto? Não! Só mudamos quando aprendemos.

            Eram 23 horas quando Lucas desligou o computador. Foi à cozinha, preparou um chá e se refestelou no grande sofá da sala. “As pandemias apavoram a Humanidade desde sempre” – pensou. Ele já sabia que pesquisadores apontam 2020 como um divisor de águas para a Humanidade. Em 2016, os astrólogos Boris Cristoff (1925-2017) previu uma pandemia para 2020; também a brasileira Celisa Beranger e Henri-Joseph Gouchon (1898-1978) e Andre Barbault (1921-2019) declararam que 2020 seria crítico, com mudanças políticas e econômicas radicais em todo o planeta. Mas, a partir de 2023, começaria um período de grande crescimento para a Humanidade.

            Seu celular tocou; era Maurício.

– Descobri o supercomputador. Sabe onde? No gabinete do senador. E encontrei o plano, com tudo lá, todas as informações. Copiei tudo e já te enviei.

– Vou trabalhar na matéria, hoje, a noite toda, e imprimir a revista amanhã, e, claro, despachar também, ainda hoje, todo o material para meu contato na Polícia Federal.

– Ok!

Desligou. Logo a seguir Lucas recebeu outro telefonema. Desta vez de Noblat.

Vestiu-se todo de preto, pegou a Glock e a katana, pôs a máscara e desceu, dirigindo-se para o Parque da Cidade. Entrou pelo portão próximo ao seu prédio e foi diretamente para o local onde o corpo de Clarice foi encontrado. Noblat o aguardava.

– Você sabe que seu fim chegou, não é?

– Sim, pode ser. Mas pode ser o seu também.

– Você passou para o lugar errado e tem que morrer, assim como a sua amiguinha, degolado também. Eu bem que tentei ensiná-lo a manejar a katana, mas você é burro mesmo, e não aprendeu, pelo menos o necessário para esticar um pouco mais a sua vida de traíra!

– Traíra?

– Sim, traíra! Você traiu algo que a vida lhe deu: a boa vida da elite comunista. Fernando Henrique Cardoso mostrou o caminho das pedras, criando o Foro de São Paulo e Lula, e o senador abriu a porta para você, mas você jogou tudo isso fora, seu traidor!

Lucas tirou sua katana do estojo, que parecia uma caixa.

– Ia sugerir que você começasse a rezar, mas você não aprendeu a rezar; aprendeu a usar a katana, mas de forma errada, degolando uma pobre moça, que tudo o que desejava era fazer seu trabalho honestamente.

– Honestamente? Ela descobriu o Estado paralelo que está governando o país, além do que há por trás do vírus chinês, e que o senador é peça importante na nova ordem, idiota! Você não vê que o mundo mudou? – disse Noblat, sacando sua katana. Ele entrara no parque de novo de automóvel, provavelmente passando em um ponto sem vigilância e fechado apenas com cones, devido à quarentena.

– Prefiro pensar como os budistas, que a matéria não existe. Assim, não tenho medo da morte; não sinto medo algum. Estou esperando.

Noblat havia se aproximado um pouco de Lucas, posicionado para atacar. Lucas estava também posicionado, mas inteiramente parado, pois nada se movia nele, e de olhos fechados.

“Esse imbecil está de olhos fechados; não acredito! Não aprendeu nada do que lhe ensinei” – Noblat pensou.

A coisa teve um desfecho muito rápido, nada cinematográfico. Lucas estava ali, concentrado; sentia como se estivesse em um espaço sem tempo, todo o Universo vibrando como um som sem som, e, de repente, explodiu, inesperado como um raio, e uma cabeça foi expelida do pescoço, subiu e caiu no chão, como um coco vazio de água, e rolou para uns cinco metros de distância do corpo, que ainda ficou dois ou três segundos em pé e depois desmoronou. Lucas limpou a katana na roupa de Noblat, guardou-a na caixa e voltou para casa. A quarentena estava rendendo. A noite seria curta para o que tinha a fazer.